A ameaça foi explícita. “Se quiser fechar o STF, você sabe o que faz? Você não manda nem um jipe. Você manda um soldado e um cabo”, disse o deputado Eduardo Bolsonaro. “Se você prender um ministro do STF, você acha que vai ter uma manifestação popular a favor dos ministros?”, acrescentou.
O ministro Celso de Mello, integrante mais antigo do tribunal, classificou a fala como “inconsequente e golpista”. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou que as declarações de Bolsonaro, o filho, “cruzaram a linha” e “merecem repúdio dos democratas”. “Cheiram a fascismo”, concluiu.
Quando foi que o bolsonarismo cruzou a linha? Em três décadas na política, o patriarca do clã nunca exibiu qualquer apreço pela democracia. Bem ao contrário. Sua carreira pode ser resumida como um persistente esforço para descreditá-la.
O capitão dedicou sete mandatos de deputado à exaltação da ditadura e do arbítrio. Já pregou o fuzilamento de adversários políticos e o fechamento do Congresso. Desmereceu o voto popular e defendeu a esterilização dos brasileiros pobres.
Ofendeu mulheres, negros, imigrantes, homossexuais. Foi denunciado por racismo e incitação ao estupro. Salvou-se dos processos graças ao mesmo STF que seu filho ameaçou fechar. Deve o favor à tolerância dos ministros, que preferiram não levá-lo a sério, e ao escudo da imunidade parlamentar.
Numa eleição marcada por ineditismos, Bolsonaro passou de azarão a favorito. Fez juras ao liberalismo econômico, que sempre combateu, e conquistou o apoio do establishment e do mercado financeiro, cujo candidato preferencial não decolou.
Ele também se aproveitou de uma sequência de erros do PT, que insistiu na candidatura de um ex-presidente preso, torpedeou outras alternativas em seu campo político e esperou para lançar um substituto a três semanas do primeiro turno.
Há um esforço na praça para atenuar os riscos de um governo Bolsonaro. Suas repetidas ameaças à democracia, à imprensa e aos adversários seriam apenas arroubos retóricos. Podem ser — mas, como ensinou seu filho deputado, será preciso “pagar para ver”.
No domingo, o capitão elevou o tom em discurso para apoiadores. Prometeu uma ampla “faxina” e anunciou tempos difíceis para quem ousar fazer oposição. “Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, disse. “Será uma limpeza nunca vista”, acrescentou.
O cheiro está no ar, mas há quem prefira tapar o nariz.
Fonte: O Globo
Um anoitecer de outubro. Todos os brasileiros, mesmo que involuntariamente, seguem imersos na desconfiança para os possíveis rumos da política no país. A presente dicotomia eleitoral intensifica as incertezas e elucida a superficialidade das discussões. Os acalorados debates deixam de lado o essencial: ideias e propostas pragmáticas que possam fazer do Brasil um país pujante.
É notório que apresentamos problemas estruturais graves e o clamor da sociedade vai da educação a investimentos em ciência e tecnologia. As atuais travas para o desenvolvimento nacional perpassam pelo direcionamento político dado por nossos representantes. Os avanços alcançados devem ser aprimorados e o norte para o progresso deve ser buscado com empenho sempre. Entretanto, este período de campanha eleitoral tem aprimorado mais o viés ideológico, que sobrepõe o bom senso e a autocrítica, do que o desejo de ver o país nos trilhos.
O cenário eleitoral tem se assemelhado a um jogo de futebol onde os torcedores de cada time incitam a derrota aos seus opositores a qualquer custo, como se estivessem em barcos opostos. Porém, esquecem que ao fim da campanha, o que estará em voga são os caminhos do país para os próximos quatro anos. Podemos nos refutar de discutir ideias, de ler os programas de governo de cada candidato? Devemos continuar nas acusações pessoais e esquecer-se de discutir o país?
Muitos brasileiros não se atentam ao fato de que os representantes do povo (seja no legislativo ou no executivo) estão ou estarão nesses cargos por um tempo e, assim sendo, as figuras passam, mas o país permanece. Direcionar o Brasil para avanços reais, como educação de qualidade, cidadania efetiva, saúde, segurança pública eficiente, desenvolvimento industrial e tecnológico tem de ser o arcabouço de qualquer governo.
Ao ser mantida a parcialidade irrestrita a qualquer que seja o candidato e fundamentada tão somente pela ideologia política, com o passar do tempo, nos tornamos cegos ou coniventes para sinais de incoerências na administração do que é público. Daí a necessidade de uma constante avaliação imparcial do que será bom ao país e, jamais, do que será favorável a um partido ou o político em questão.
Seremos coniventes com atitudes erradas? Manteremos a acomodação e normalidade ao “rouba, mas faz”? Isso que queremos para o país? No momento em que o Brasil apresentar uma volumosa massa crítica e que não sirva mais como objeto de manobra, sem dúvidas, estaremos livres das amarras politiqueiras e ascendendo a uma sociedade mais criteriosa, esclarecida e que preza pelo bem comum. Um país que enxergará avanços e jamais retrocessos. Em suma, não podemos recorrer a irracionalidades que atrasam uma nação.
Fonte: Tiago Nunes é médico e colunista do Central Notícia
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